sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Wagner Tiso

Wagner Tiso Veiga (Três Pontas MG 1945). Pianista, compositor, arranjador, regente. Filho de Francisco Ribeiro Veiga, bancário, e Walda Tiso Veiga, professora de piano, Wagner é o segundo dos cinco filhos do casal. Em família de músicos, aprende a tocar acordeão ainda criança. Aos 11 anos participa de grupo musical da cidade, no qual um dos cantores é Milton Nascimento, que se torna seu amigo.

A família muda-se para Alfenas, Minas Gerais, para dar condições de estudo aos filhos. Nessa cidade, inspirado no conjunto The Platters, Tiso organiza o grupo W's Boys, cujo crooner é Milton Nascimento. Entre 1958 e 1961, o conjunto toca em bailes na região com repertório composto de músicas norte-americana, brasileira e boleros. Vai para Belo Horizonte para se dedicar profissionalmente à música. Monta o conjunto Holiday, com o amigo Milton e seu irmão mais velho, Gileno, e grava o primeiro compacto duplo. Logo em seguida, eles criam o Berimbau Trio, com Paulinho Braga. Depois formam com Marilton Borges o conjunto Evolussamba. Os ensaios ocorrem no apartamento da família de Lô Borges, iniciando o movimento Clube da Esquina. Tiso participa ainda das gravações do grupo Sambacana.

Em 1964, vai morar no Rio de Janeiro. Faz parte de vários conjuntos, entre eles o de Paulo Moura, com quem estuda teoria musical e orquestração, de 1965 a 1967. Produz arranjos e toca com Maysa, Cauby Peixoto, Marcos Valle, Ivon Curi e participa do 4º Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, em 1968, com a canção O Viandante, parceria com o baixista Novelli, defendida por Taiguara. Faz com Nascimento a trilha do filme Os Deuses e os Mortos, 1970, de Ruy Guerra.

Na década de 1970 lidera o grupo Som Imaginário e grava. Grava três LPs: Som Imaginário I (1970), Som Imaginário II (1971) e Matança do Porco (1973), marcos da música instrumental brasileira. Continua a carreira de arranjador e instrumentista e mantém colaboração com Nascimento. Participa ativamente de seus discos como arranjador e compositor, desempenhando papel central nos LPs Clube da Esquina (1972), Milagre dos Peixes (1973), Ao Vivo (1974), Native Dancer (1975) e Minas (1975). No fim da década muda-se para Los Angeles e ao retornar inicia carreira solo. Grava seu primeiro LP solo, Wagner Tiso, em 1978, e depois Assim Seja, em 1979. Compõe trilhas para cinema (entre vários filmes, Jango, Inocência, Chico Rei), teatro (em Poema Sujo) e TV (minissérie Primo Basílio, TV Globo).

Nos anos 1980, faz shows pelo Brasil e apresenta-se com regularidade no exterior. Grava nove discos. Em 1984, sua composição Coração de Estudante, com letra de Nascimento, torna-se música-tema do movimento político das Diretas Já. Originalmente gravada como tema instrumental do filme Jango, do cineasta Silvio Tendler, ganha o Kikito de melhor trilha do Festival de Gramado. Nos anos 1990, além de sete discos lançados e o trabalho como arranjador e instrumentista, compõe a trilha do filme A Ostra e o Vento (1997), de Walter Lima Jr. Para esse mesmo diretor faz, em 2008, a trilha de Os Desafinados e, no ano seguinte, a trilha de Duas Mulheres, de João Mário Grilo. Em 2002, produz os arranjos do disco em homenagem a Humberto Teixeira, O Doutor do Baião, lançado pela gravadora Biscoito Fino. Em comemoração dos seus 60 anos, lança pela Universal Music O Som Imaginário, caixa com DVD e 2 CDs, gravados na apresentação no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com a participação de Gal Costa, Milton Nascimento e Cauby Peixoto. Em 2009, lança o disco Samba e Jazz.

Comentário crítico

A trajetória artística de Wagner Tiso somente pode ser compreendida em sua tripla condição de compositor, instrumentista e arranjador. Em cada uma dessas áreas distintas, o artista realiza obra importante que deve ser abordada de maneira independente, mas complementar. Como compositor, ele se movimenta com tranquilidade pelo universo da música popular e erudita, reforçando uma característica bastante peculiar da cultura musical brasileira, cuja tradição se inicia pelo menos no século XIX. Ainda nesse sentido, não se limita a alguns gêneros, transitando com desenvoltura pela música internacional, a latino-americana, a regional, a bossa nova, o rock e o jazz. Essa variedade permite que ele se apresente em diversos espaços de sociabilidade musical: na indústria fonográfica, televisão, festivais, teatro, cinema e dança.

É preciso considerar que essa rica trajetória é construída com base em circunstâncias muito peculiares da história cultural do Brasil e de Minas Gerais. O início da vida profissional se manifesta desde cedo como instrumentista nos conjuntos de bailes, no sul de Minas, em que o repertório é obrigatoriamente variado e internacional: canções norte-americanas, boleros e músicas brasileiras. A importância desse período formativo e a variedade de gêneros estão representadas no disco Crooner, de 1999, de Nascimento, cuja direção musical, arranjos e orquestração são de Tiso.

A identificação e a trajetória musical dos dois artistas mineiros confundem-se com a amizade surgida entre ambos ainda na infância. Eles saem do sul de Minas para Belo Horizonte, onde desempenham ação determinante na formulação do movimento Clube da Esquina. Musicalmente se unem a partir do Grupo Som Imaginário. Essa relação se manifesta e se aprofunda no primeiro disco de Nascimento, o compacto Barulho de Trem, em que duas das quatro canções são composições de Tiso, Aconteceu (com Nascimento) e Férias. Ele retorna a esse papel central como instrumentista e arranjador do disco Milton, de 1970, liderando o Som Imaginário. Em Clube da Esquina I, 1972, é o principal orquestrador e tecladista. Também é responsável pelos arranjos dos discos seguintes Milagre dos Peixes (1973), Ao Vivo (1974) e Minas (1975).

A partir da segunda metade da década, suas contribuições com Milton e o pessoal do Clube da Esquina permanecem, mas de maneira diluída em razão da expansão de sua carreira individual. Após viagem de estudos e experiência nos Estados Unidos, suas atividades como arranjador e orquestrador se multiplicam e o acompanham por toda a carreira, tornando-se importante e requisitado diretor musical.

Como compositor sua obra começa a aparecer nos discos do conjunto Som Imaginário, criado e liderado por ele, formado por Zé Rodrix, Tavito, Frederyko (Fredera), Luiz Alves, Robertinho Silva, Laudir de Oliveira, Naná Vasconcelos, Nivaldo Ornelas, Toninho Horta, Noveli e Paulo Braga. São gravados três discos: Som Imaginário I, 1970, Som Imaginário II, 1971, e Matança do Porco, 1973, mas é neste que suas composições surgem com destaque. O conjunto realiza uma série de experiências musicais inusitadas para o período, com a mistura de rock progressivo, jazz e música brasileira. No fim da década de 1970, grava seus dois primeiros discos solo, Wagner Tiso (1978) e Assim Seja (1979), ganhando autonomia em relação ao Clube da Esquina e a Milton Nascimento. Nesses dois LPs começa a desenvolver uma sonoridade muito própria que marca sua trajetória: a fusão da música popular brasileira com a música instrumental, o jazz e a música erudita.

Além de discos solos, faz discos em dueto com César Camargo Mariano, em 1983, Nana Caymmi, 1989, Eugênia Mello e Castro, 1988, João Carlos Assis Brasil e Ney Matogrosso, 1989, Paulo Moura, 1996, Zé Renato, 2002, Tavinho Moura e Victor Biglione, em 2004. Esses discos são marcados pela forte presença de certa tradição da música popular (como na regravação de canções de Sinhô, Ataulfo Alves e Ari Barroso), e da evidente influência da bossa nova, sobretudo de Tom Jobim. No entanto, essas características não delimitam todo o alcance da obra de Tiso. Baobab, de 1990, por exemplo, busca inspiração em raízes musicais ibéricas e africanas. Além disso, há a escuta jazzística, presente desde o início de sua carreira e que lhe permite frequentar vários festivais de jazz e música internacional e colaborar com músicos como Wayne Shorter e Herbie Hancock. Essa face retorna de modo claro em Tocar - A Poética do Som, disco de 2004, gravado em parceria com o guitarrista Victor Biglione.

Como se percebe, trata-se de uma obra em que as fronteiras musicais se diluem a todo momento. Sua formação diversificada e ao mesmo tempo especializada também está presente, desde os arranjos até o virtuosismo instrumental. Muitas vezes suas composições e arranjos se aproximam bastante da linguagem villa-lobiana. No ano 2000, ele grava disco em que explicita essa relação Tom Jobim-Villa Lobos. Antes desse disco grava outro em que revela seu interesse pelos impressionistas como Debussy e Fauré, Debussy e Fauré Encontram Milton e Tiso.

A música Coração de Estudante, com letra de Milton, que se torna música-tema do movimento político das Diretas Já em 1984, é tema instrumental composto para o documentário Jango, do cineasta Silvio Tendler. Essa música aparece nos momentos mais dramáticos do filme, no enterro de Getúlio Vargas, na partida para o exílio e no enterro do Jango Goulart. O cinema é outro aspecto marcante do trabalho de Wagner Tiso, ele compõe trilhas sonoras de longas-metragens, produzidos no Brasil, Paraguai e Portugal, como Inocência, 1981, Chico Rei, 1984, e A Ostra e o Vento, 1997, todos de Walter Lima Júnior; Besame Mucho, 1986, de Francisco Ramalho Júnior; O Grande Mentecapto, 1988, e Tiradentes, 1998, de Oswaldo Caldeira; O Guarani, 1995, de Norma Bengell; Jango, 1984, de Silvio Tendler, entre outros. Compõe também para a TV (Dona Beija, telenovela; O Primo Basílio e O Sorriso do Lagarto, minisséries), peças de teatro (como O Livro de Jó, 1993, e Peer Gynt, 1994) e espetáculos de dança.

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