sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Lô Borges

Salomão Borges Filho (Belo Horizonte MG 1952). Compositor, violonista, cantor e guitarrista. É o sexto dos 11 irmãos, alguns deles artistas. Até os 10 anos, mora no bairro de Santa Tereza, na capital mineira. Depois, a família se muda para o Edifício Levy, no centro da cidade. A mudança é importante para a trajetória dele e do irmão Márcio, pois ali, em meio a outros jovens e ambiente boêmio, começam a desenvolver o interesse pela música. Lô aprende a tocar violão e, mais tarde, entusiasmado pelos Beatles, organiza com o irmão Yé (Marcos), Beto Guedes e Márcio Aquino o conjunto The Beavers, que faz relativo sucesso em Belo Horizonte tocando músicas do conjunto inglês.

Nessa época faz amizade com Milton Nascimento, jovem cantor recém-chegado de Três Pontas, pequena cidade do sul de Minas Gerais, e com ele inicia uma produtiva parceria. É quando a residência dos Borges se torna núcleo de reunião de jovens músicos locais, dando origem ao movimento mineiro conhecido como Clube da Esquina. Influenciado pelos Beatles, rock, bossa nova, Jovem Guarda e pela nascente MPB, Lô começa a compor aos 16 anos. Milton Nascimento o convence a mostrar suas criações e grava três delas no disco Milton, de 1970: Para Lennon e McCartney (com Márcio Borges e Fernando Brant), Clube da Esquina (com Milton Nascimento e Márcio Borges) e Alunar (com Márcio Borges).

Apesar da resistência dos pais, em 1971, a convite de Milton Nascimento, Lô muda-se com Beto Guedes para o Rio de Janeiro e começa a gravar Clube da Esquina, um LP duplo assinado por ambos. Depois disso, viaja pelo Brasil e alterna participação em gravações e lançamentos de discos com vivência em comunidades hippies. Pela gravadora EMI-Odeon, grava seu primeiro LP, Lô Borges (mais conhecido como "disco do tênis", em referência à foto da capa), em 1972. Participa da gravação de Clube da Esquina 2, em 1978, e produzo segundo disco, A Via Láctea, em 1979. Em 1980, integra o projeto familiar Os Borges, em que reúne os pais e todos os irmãos. Um ano depois lança Nuvem Cigana, seguido de Sonho Real, 1984, e Solo, ao vivo, em 1987.

Após nova ausência, retorna às gravações em 1996, com Meu Filme, e mantém ritmo produtivo na década seguinte. Realiza diversas excursões no país e no exterior e grava os discos Feira Moderna (2001), Um Dia e Meio (2003), BHanda (2006), Intimidade (2008) e Harmonia (2009). E inicia parceria com músicos da nova geração como Samuel Rosa, da banda mineira Skank (Dois Rios, 2003, e A Última Guerra, 2004)  e Arnaldo Antunes (Um Dia e Meio).



Comentário Crítico
A trajetória artística de Lô Borges se confunde com o movimento musical mineiro conhecido como Clube da Esquina, que por sua vez é tributário da evolução da carreira de Milton Nascimento. Portanto, eles não podem ser dissociados, sobretudo na fase entre o fim dos anos 1960 e início da década de 1970. Embora muito jovem, como a maioria dos músicos participantes, Lô Borges é um dos protagonistas do movimento e colabora de modo destacado no estabelecimento de seus caminhos e alternativas. Além de composições, ele contribui como instrumentista, tocando guitarra, violão e piano na gravação dos discos de Milton Nascimento.

As influências musicais e culturais presentes no Clube da Esquina e na carreira do compositor são bem variadas. De algum modo, elas revelam a dinâmica dos movimentos culturais da juventude, que procura, do ponto de vista musical, experiências diferentes. Em primeiro lugar, a presença do rock em suas variantes é muito evidente. Desde a influência dos vocais e guitarras dos Beatles, referência no início de carreira, passando pelas formas do rock mais experimental e progressivo, no uso permanente de guitarras distorcidas e riffs, por exemplo. E também suas composições apresentam forte conteúdo relacionado a novidades e sofisticações da bossa nova e MPB em expansão no período.

A partir dos anos 1970 aparece o nítido interesse pelo jazz em suas formulações mais puras e nos diálogos com o rock. Por fim, as tradições musicais regionais mineiras se apresentam na obra do Clube da Esquina e, consequentemente, de Lô Borges. Algumas dessas características podem ser identificadas nas primeiras composições gravadas por Milton Nascimento, no LP Milton, de 1970. Em Para Lennon e McCartney (Márcio Borges, Lô Borges e Fernando Brant), as referências vão além do título e são percebidas na força da dinâmica da canção, no uso das guitarras distorcidas, no baixo acentuado e no teclado. De outro lado, Clube da Esquina (Márcio Borges, Lô Borges e Milton Nascimento) vincula-se às mais profundas tradições cancionistas nacionais e apresenta extraordinária força melódica revelada na voz de Milton e no arranjo vocal, tornando-se uma das mais belas produções do período. Já Alunar (Márcio Borges e Lô Borges) é uma singela canção que arrisca algumas experimentações.

A maturidade de sua produção chega rapidamente com a gravação do LP duplo Clube da Esquina, em1972. Das 21 canções no disco, ele participa em oito, sendo que várias delas se tornam referência no LP e clássicos da música brasileira, tais como Tudo que Você Podia Ser (Márcio Borges e Lô Borges), O Trem Azul (Lô Borges e Ronaldo Bastos), Um Girassol da Cor de Seu Cabelo (Márcio Borges e Lô Borges), Paisagem na Janela (Lô Borges e Fernando Brant). As fusões que se revelam nesse conjunto criativo de algum modo podem ser também identificadas em Nuvem Cigana (Lô Borges e Ronaldo Bastos), com apelo regional; Trem de Doido (Márcio Borges e Lô Borges), fortemente marcado pelo rock; e nos experimentalismos instrumentais de Estrelas (Márcio Borges e Lô Borges) e Clube da Esquina 2 (Lô - Borges e Milton Nascimento).

No LP Lô Borges, de 1972, ele procura dar continuidade de maneira mais independente à carreira e à produção musical, até então muito vinculadas ao Clube da Esquina e a Milton Nascimento. São 15 composições, geralmente curtas e a maioria criada individualmente. Apenas seis delas são parcerias e a maior parte feita com o irmão Márcio. O rock logo na abertura aparentemente dá o tom geral, mas também é um disco em que as baladas e as referências ao cancioneiro popular e ao regionalismo mineiro estão presentes assim como um pano de fundo jazzístico. O tom melódico é melancólico e triste, acentuado pelas letras reflexivas.

O compositor retorna às gravações em 1978, com passagem residual no LP Clube da Esquina 2, de Milton Nascimento. Diferente do disco da primeira edição, ele participa sem muito destaque, apenas com duas canções: Ruas da Cidade (Márcio Borges e Lô Borges) e Pão e Água (Márcio Borges, Roger Mota e Lô Borges). Aliás, embora os mineiros do Clube da Esquina mantenham nessa fase grande presença nos LPs de Milton Nascimento, Lô não participa de Milagre dos Peixes (1973), Minas (1974) e Geraes (1976), revelando período de reclusão. Ele somente grava seu segundo disco solo, A Via Láctea, em 1979. A maioria das canções é composta com o irmão Márcio e procura preservar o plano dos diálogos e fusões de gêneros, mas sem a força criativa e a inovação anteriores.

Nos anos 1980, Lô mantém fase produtiva e criativa com a gravação de vários discos como Os Borges (1980), Nuvem Cigana (1982), Sonho Real (1984) e Solo (1987), consolidando-se no mercado fonográfico e como autor. Nessa década torna-se uma das referências para alguns dos diversos grupos pop que surgem. Nos anos 1990 vive novamente fase de afastamento, gravando apenas um disco, Meu Filme, em1996. Retorna no início do século XXI realizando diversos shows e gravando quatro discos.

Embora a riqueza da produção de Lô Borges seja desigual, o conjunto de sua obra, sobretudo na fase inicial, torna-se marco definitivo da música popular na segunda metade do século XX. Nessa trajetória, tem com Milton Nascimento, Fernando Brant, Ronaldo Bastos e Márcio Borges as parcerias mais constantes. Com Nando Reis e Samuel Rosa, compõe Dois Rios (2003), com Tom Zé, Açúcar Sugar (2003), com Arnaldo Antunes, Por que Não? (2003). Suas composições são gravadas por vários intérpretes como Um Girassol da Cor do Seu Cabelo (1972), por Ira, Skank e Tita Lima; O Trem Azul (1972), por Elis Regina e Tom Jobim; Paisagem da Janela (1972), por Elba Ramalho; Para Lennon e McCartney (1970), por Zimbo Trio e Simone. Esse grupo revela a importância de suas obras na moderna música popular brasileira.

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